Primeiros mártires brasileiros
Dia 5 de março, em Roma, João Paulo II beatificará um
grupo de mártires brasileiros. Você sabia de sua existência?
História
Em 16 de junho de 1645, o Pe. André de Soveral e outros 70 fiéis foram
cruelmente mortos por 200 soldados holandeses e índios potiguares. Os fiéis
estavam participando da missa dominical, na Capela de Nossa Senhora das
Candeias, no Engenho Cunhaú - no município de Canguaretama (RN). O que motivou a
chacina? A intolerância calvinista dos invasores que não admitiam a prática da
religião católica: isso custou-lhes a própria vida.
A chacina de Cunhaú
O movimento de insurreição contra o domínio holandês já começara em
Pernambuco, mas, na capitania do Rio Grande do Norte, tudo parecia normal.
Bastou, porém, a presença de uma só pessoa para que o clima se tornasse tenso:
Jacó Rabe, um alemão a serviço dos holandeses. Ele chegara a Cunhaú no dia 15 de
julho de 1645.
Rabe era um personagem por demais conhecido dos moradores de
Cunhaú. Suas passagens por aquelas paragens eram freqüentes, sempre acompanhado
dos ferozes tapuias, semeando por toda parte ódio e destruição. A simples
presença de Rabe e dos tapuias era motivo para suspeitas e temores.
"Além
dos tapuias, Jacó Rabe trazia, desta vez, alguns potiguares e soldados
holandeses. Ele dizia-se portador de uma mensagem do Supremo Conselho Holandês,
do Recife, aos moradores de Cunhaú.
No dia 16 de julho, Domingo, um grande
número de colonos estava na igreja, para a missa dominical celebrada pelo
Pároco, Pe. André de Soveral. Jacó Rabe mandara afixar nas portas da igreja um
edital, convocando a todos para ouvirem as Ordens do Supremo Conselho, que
seriam dadas após a missa.
Como havia um certo receio pela presença de Jacó
Rabe, alguns preferiram ficar esperando na casa de engenho.
Chegou a hora da
missa. Os fiéis, em grupos de familiares ou de amigos, dirigiram-se à igrejinha
de Nossa Senhora das Candeias. Levados apenas por cumprir o preceito religioso,
os fiéis não portavam armas, mas só alguns bastões que encostaram nas paredes do
pórtico.
O Pe. André inicia a celebração. Após a elevação da hóstia e do
cálice, erguendo o Corpo do Senhor, para a adoração dos presentes, a um sinal de
Jacó Rabe, foram fechadas todas as portas da Igreja e se deu início à terrível
carnificina.
Foram cenas de grande atrocidade: os fiéis em oração, tomados de
surpresa e completamente indefesos, foram covardemente atacados e mortos pelo
flamengos com a ajuda dos tapuias e potiguares.
Ao perceber que iam ser mesmo
sacrificados, os fiéis não se rebelaram. Ao contrário, 'entre mortais ânsias se
confessaram ao sumo sacerdote Jesus Cristo, pedindo-lhe, com grande contrição,
perdão de suas culpas", enquanto o Pe. André estava 'exortando-os a bem morrer,
rezando apressadamente o ofício da agonia" (Verdonk).
Chacina de Uruaçu
Três meses depois aconteceu o martírio de mais 80 pessoas, e sempre pelas
mãos dos calvinistas holandeses. Entre elas estava o camponês Mateus Moreira,
que teve o coração arrancado pelas costas, enquanto repetia a frase: "Louvado
seja o Santíssimo Sacramento". Isso aconteceu na Comunidade de Uruaçu, em São
Gonçalo do Amarante (a 18 km de Natal).
Contam os cronistas que as notícias
dos graves e dolorosos acontecimentos de Cunhaú se espalharam rapidamente por
toda a capitania do Rio Grande do Norte e capitanias vizinhas. A população ficou
assustada e temia novos ataques dos tapuias e potiguares, instigados pelos
holandeses.
Também desta vez tudo aconteceu sob o comando de Rabe, ajudado
pelo chefe potiguar Antônio Paraopaba.
Os índios já tinham sido avisados das
intenções dos dois e lá estava o chefe potiguar com os seus comandados: mais de
duzentos índios, bem armados.
Logo que desceram dos batéis, os flamengos
ordenaram aos moradores que se despissem e se ajoelhassem. A um sinal dado por
eles, os índios, que estavam emboscados, saíram dos matos e cercaram os
indefesos colonos.
Teve início, então, a terrível carnificina, descrita com
impressionante realismo pelos cronistas portugueses. Nas descrições, nota-se o
contraste entre a crueldade dos algozes e a resignação e o perdão das
vítimas:
"Começaram a dar tão desumanos e atrozes tormentos aos homens que já
muitos dos que padeciam tomavam por mercê a morte. Mas os holandeses usaram da
última crueldade entregando-os aos tapuias e potiguares, que ainda vivos os
foram fazendo em pedaços, e nos corpos fizeram anatomias incríveis, arrancando a
uns os olhos, tirando a outros as línguas e cortando as partes verendas e
metendo-lhas nas bocas..." (Santiago).
A descrição da morte de Mateus Moreira
é o ponto mais expressivo de toda a narrativa de Uruaçu e constitui um dos mais
belos testemunhos de fé na Eucaristia, confessada na hora do martírio.
"Os
algozes arrancaram-lhe o coração pelas costas, e ele morreu exclamando: 'Louvado
Seja o Santíssimo Sacramento."
Processo de beatificação
Segundo Mons. Francisco de
Assis Pereira, Postulador da Causa de beatificação desses Mártires, "a memória
dos servos de Deus sacrificados em Cunhaú e Uruaçu, em 1645, permaneceu
viva na alma do povo potiguar, que os venera como autênticos defensores da fé
católica". O processo de beatificação foi concedido pela Santa Sé, no dia 16 de
junho de 1989, e, em 21 de dezembro de 1998, o Papa João Paulo II assinou o
Decreto reconhecendo o martírio de 30 brasileiros, sendo dois sacerdortes e 28
leigos.
Mons. Assis acompanhou o processo por mais de dez anos, reunindo
documentos em pesquisas realizadas em Portugal, Holanda e no Brasil. Deste
material resultou o livro Protomártires do Brasil, de sua autoria.
A
cerimônia de Beatificação acontecerá no dia 5 de março, na praça de São Pedro,
em Roma. A celebração será presidida pelo Papa. O Cardeal Dom Eugênio Sales,
filho do Rio Grande do Norte, presidirá, numa Igreja de Roma, a missa em ação de
graças pela beatificação dos Protomártires brasileiros, os primeiros que
derramaram o sangue pela fé em nossa Pátria e cujo martírio é reconhecido
oficialmente pela Igreja. Fala-se que um grande monumento será construído no
local onde aconteceu o martírio de Uruaçu.
Que tal conhecê-los melhor?
No momento em que os brasileiros comemoram os 500 anos da história do País, a
Arquidiocese de Natal se esforça para tornar o fato conhecido em nível nacional
e não só no meio eclesial.
Segundo Dom Heitor de Araújo Sales, Arcebispo de
Natal, a beatificação dos Protomártires do Brasil chega num momento oportuno
para colocar em evidência o debate sobre ecumenismo, tolerância e paz no mundo,
a partir do diálogo religioso, ao mesmo tempo em que questiona qualquer
estrutura social injusta e pecaminosa. No mês de agosto, a Arquidiocese realizou
romaria a Uruaçu, reunindo mais de 15 mil pessoas, com o tema "Brasil, um filho
teu não foge à luta", lembrando a coragem dos mártires e o seu testemunho em
defesa de um país justo e democrático.
LIVROS PUBLICADOS SOBRE O TEMA
Ao longo dos 354 anos, historiadores, jornalistas e escritores têm feito
freqüentes referências ao acontecimento. Três livros merecem destaque:
Protomártires do Brasil, do Mons. Francisco de Assis Pereira;
Terras de
Mártires, da jornalista Auricéia Antunes de Lima;
Mártires de Cunhaú e
Uruaçu, do Pe. Eymard L.E. Monteiro.
Cacilda Medeiros e Francisco Morais
Pastoral da Comunicação - Natal/RN
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